Da sociedade antagônica à sociedade harmônica

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Autor: Manoel Rubim da Silva. Contador. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, Professor no DECCA-UFMA. Endereço do Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4463346A9

Extrai o título deste artigo dos comentários do cientista político italiano, historiador do pensamento, escritor e senador vitalício italiano, Norberto Bobbio (1909 a 2004), no livro da sua autoria, intitulado “LIBERALISMO E DEMOCRACIA”, Editora Brasiliense,1988, quando abordou o ensaio: “A ideia de uma História Universal e um Ponto de Vista Cosmopolita (1784) de autoria do pensador alemão Immanuel Kant.
Segundo Bobbio, Kant entenderia como antagonismo “a tendência do homem de satisfazer os próprios interesses em concorrência com os interesses de todos os demais: uma tendência que excita todas as suas energias, e o induz a vencer a inclinação à preguiça e a conquistar um posto entre os seus consórcios”. Residiria nessa concepção de antagonismo, na interpretação de Bobbio, o núcleo essencial do pensamento liberal.
Embora não esteja claro, no texto de Norberto Bobbio, quando aborda “O antagonismo é fecundo”, no referido livro, presume-se que, enquanto o antagonismo está na raiz do individualismo, conforme comenta, a solidariedade é um dos fundamentos primaciais dos que condenam o liberalismo, e defendem maiores ações dos Estados, reduzindo o seu minimalismo, como pregam os liberais, em prol da desarmonia.
Para que venhamos aquilatar os malefícios das práticas dos cânones do liberalismo para o mundo, redundante em antagonismos, importa destacar parte do artigo de autoria de Tim Vickery, colunista da BBC Brasil, bacharel em História Política pela Universidade de Warwick, intitulado “Thatcherismo abriu as portas da barbárie, que não fecharam até hoje”: “Quatro décadas atrás, Margaret Thatcher iniciava a campanha que não somente a conduziria ao posto de primeira-ministra do Reino Unido, mas também lançaria um modelo que acabou por conquistar o mundo. Os princípios do thatcherismo viraram as certezas globais de ponta-cabeça. E, bem no centro do projeto, havia uma mentira enorme.”
Essa grande mentira vendida para o mundo, conhecida como liberalismo ou neoliberalismo, como solução para os problemas sociais e econômicos, que afligem diversos países, não para de ser contada, aqui e alhures, aos incautos, sem que os seus preconizadores apontem casos de sucesso das medidas defendidas por Hayek, Friedman e outros pensadores econômicos liberais. Porém, ao contrário da escassez prática dos casos de sucesso do neoliberalismo, temos diversos exemplos do seu fracasso.
Como exemplo desse fracasso, apontamos a crise econômica mundial, que, desde 2007, atormenta diversos países, porém, antes da referida crise, os lucros foram privatizados, principalmente, na Inglaterra e EUA, sob a batuta dos conservadores e republicanos, ambos norteados pelos pensamentos retrógrados, estimulantes dos antagonismos, para depois os prejuízos serem socializados com a população pobre desses países e de diversos outros países do mundo.
No Brasil, “a marolinha” foi muito bem administrada no início, com políticas econômicas keynesianas, buscadoras da harmonia. Porém, posteriormente, foram adotadas medidas econômicas conservadoras, intituladas de macroprudenciais, que, cumuladas com outras do mesmo jaez, redundaram na substancial redução das atividades econômicas e todas as suas consequências deletérias, como exemplo, entre muitos, o aumento do desemprego e da violência.
Por outro lado, focando a sociedade harmônica, não se pode deixar de considerar o papel que deveria ser desempenhado pelo Estado, no sentido pleno da palavra. O já citado jornalista Tim Vickery, na BBC-Brasil, em outro texto intitulado “Grandes mudanças são possíveis em uma geração, mas é preciso ter um projeto de Estado”, demonstra, de forma sobeja, o papel que o Estado poderia desempenhar na promoção social e econômica das pessoas.
Para que se possa aquilatar a pertinência do referido texto ao assunto que abordo, neste artigo, reproduzo a sua parte, nas palavras de Vickery: “Por outro lado, posso ter uma visão mais otimista do que muitos brasileiros – porque sei que a situação em que as pessoas estão não necessariamente é o que elas são, ou, melhor dizendo, o que poderiam ser. Tenho a história da minha família como prova e consolo. Também tenho uma amiga francesa, filha de imigrantes argelinos analfabetos, que fala sete línguas. Grandes mudanças são possíveis no espaço de uma geração. É necessário haver um projeto de Estado – porque tem coisas que dificilmente o mercado resolve. Mas o potencial humano existe. Nas condições certas para um avanço coletivo, um jumento da lama pode virar um magnífico cavalo de corrida.”
Adensando os parâmetros da harmonia, em desabono às pregações liberais e neoliberais que levam a humanidade para os caminhos da sociedade antagônica, destaco mais um texto em prol da harmonia que as ações estatais podem desencadear. Para tanto, valho-me das palavras de Mark Blyth (Professor de política internacional na Brow University, com doutorado em ciência política na Columbia University) no prefácio do livro da sua autoria intitulado “AUSTERIDADE A HISTÓRIA DE UMA IDEIA PERIGOSA”, Editora Autonomia Literária, 2017: “O que me possibilitou que me tornasse o homem que sou hoje foi exatamente aquilo a que hoje se atribuía culpa de ter criado a crise: O Estado, mais especificadamente, o chamado Estado de Bem-Estar irrealista, demasiado grande, paternalista e fora de controle. Esta afirmação não passa no teste do olfato. Por causa do Estado de Bem-Estar britânico, por mais miserável que fosse em comparação com seus primos europeus mais ricos, nunca tive fome. A pensão da minha avó e as refeições gratuitas na escola trataram disso.”
Poderia concluir este artigo, com as palavras de Mark Blyth, porém, as normas acadêmicas não permitem que se conclua o texto com citação de terceiros. Todavia, fica meridianamente claro que as experiências pessoais de sucesso que o Estado pode proporcionar aos seus mais necessitados cidadãos, via as políticas públicas de inclusão social, tão detestadas pelos liberais ou neoliberais, não se limitam às experiências pessoais de Vickery e Blyth, retratadas nos textos acima referidos, e sim nas estórias vivenciadas e que poderiam ser contadas por milhões de pessoas mundo afora. Felizmente, tenho sido coerente, pois, ao longo de mais ou menos vinte anos, venho defendendo as políticas de bem-estar-social, visando os caminhos da paz e harmonia social, afugentando os antagonismos.

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